Viçosa, Lavras, Alfenas e Ouro Preto – A fumaça tóxica que matou mais de duas centenas de pessoas, a maioria estudantes, no incêndio da Boate Kiss, na cidade de Santa Maria (RS), rompeu as divisas gaúchas e se espalhou pelas cidades universitárias mineiras. Mais que isso: colocou em estado de alerta pais de jovens que deixam suas casas em busca de consagrados centros de ensino superior mineiros, como Viçosa (Zona da Mata), Lavras e Alfenas (Sul de Minas) ou Ouro Preto (Região Central).
Em algumas dessas cidades, uma incômoda sensação inquieta estudantes e autoridades. As palavras do estudante de história da federal de Viçosa Rodrigo Paulinelli, de 25 anos, resumem esse nó na garganta: “Se fosse aqui, todo mundo teria morrido”. Não parece ser uma avaliação apressada. Tanto que é compartilhada por autoridades como o promotor de Justiça de Alfenas Fernando Ribeiro Magalhães Cruz. “A tragédia de Santa Maria poderia ter ocorrido aqui”, reforça ele. Durante a última semana, equipes do Estado de Minas ouviram palavras parecidas e, visitando casas noturnas sem saídas de emergência ou extintores nessas cidades, constatou que a apreensão é mais que justificada. Tanto que já desencadeou vistorias e interdições, em uma mobilização empurrada pelo desastre no Sul, que não se restringe ao interior, mas levou ao fechamento de mais uma casa, ontem, também em Belo Horizonte.
“Não consigo pensar em nenhum lugar fechado em Viçosa que dê para a gente sair com tranquilidade.” As palavras da jovem Marina Hassen, de 20 anos, aluna do curso de engenharia elétrica da Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata, resumem bem o sentimento de boa parte da população estudantil da cidade, depois da tragédia de Santa Maria. O desastre chamou a atenção para o que acontece nas cidades universitárias, onde a população de alunos é grande, assim como a busca por opções noturnas de lazer. Nos municípios visitados por equipes do Estado de Minas é comum encontrar boates e casas noturnas com estrutura acanhada para o público que recebem, que acabam ignorando itens fundamentais de segurança, além de armazenarem irregularmente produtos perigosos, como gás de cozinha.
A futura engenheira Marina mora em um apartamento com outras estudantes da UFV. Todas afirmam que a semana foi de comparações entre a situação de Viçosa e a de Santa Maria. Flávia Divino, de 23, que cursa o oitavo período de biologia, faz parte do grupo e diz que pelo menos dois locais na cidade preocupam mais, por causa da estrutura fechada. “Depois do acidente, a primeira coisa que todo mundo pensou é que, se fosse aqui, seria desesperador.” Outra integrante do grupo, Marcela Nunes, de 18, está no segundo período de direito e diz já ter ouvido relatos de colegas sobre manuseio de fogos de artifício em uma das casas noturnas fechadas de Viçosa. Em ambos os espaços, a frequência de alunos da UFV é grande, inclusive com festas em parceria, nas quais normalmente o público é predominantemente de
Convicto, o futuro historiador Rodrigo Paulinelli diz que é possível prever a tragédia em caso de problemas nas casas noturnas de Viçosa. “Temos dois lugares fechados aqui onde, se houver fogo, morre todo mundo. Além disso, se de fato acontecer algo, o pelotão de bombeiros mais próximo está a 60 quilômetros”, diz ele, referindo-se à 3ª Companhia de Ubá, na Zona da Mata, responsável por Viçosa.
Também aluna de história, Emily Ucceli, de 22, diz ter recebido uma ligação da mãe logo depois da tragédia no Rio Grande do Sul. “Ela queria saber onde vai ser meu baile de formatura, temendo que o lugar não tenha estrutura”, conta. Bárbara Mesquita, de 19, que cursa ciências contábeis, percebeu a mesma preocupação nas palavras de sua mãe. “A regra agora é prestar atenção a todos os lugares que frequento”, diz.
Vistoria apressada
Enquanto a equipe do EM esteve em Viçosa, a prefeitura convocou reuniões para definir o que fazer com relação às casas noturnas do município: pelo menos 12, que funcionavam normalmente recebendo público para festas e shows. Na quinta-feira, agentes do Departamento de Fiscalização, acompanhados do Corpo de Bombeiros, visitaram os dois ambientes fechados de onde as reclamações mais chegavam. Ambos foram interditados por período indeterminado, até que seja providenciado o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), documento essencial para garantir a segurança e a prevenção contra incêndio.
Segundo o Departamento de Fiscalização da prefeitura, o auto é um dos itens necessários para a liberação do alvará de funcionamento. Questionado sobre o motivo de as casas funcionarem antes sem o documento, o chefe do departamento, Bruno Bhering, afirmou que a administração municipal autorizava o funcionamento mediante vistorias prévias dos Bombeiros, que geravam uma declaração sobre o que seria necessário fazer antes da inspeção final. “Esse documento vale por 90 dias e os donos assinavam sob a responsabilidade de entregar o auto de vistoria final dentro do prazo”, afirmou. Porém, o que se percebe é que os estabelecimentos não se preocupavam mais com a regularização e abriam as portas normalmente. Segundo o capitão Patrick Tavares Gomes, comandante da 3ª Cia. de Bombeiros de Ubá, o AVCB dos bombeiros vale por três anos. “Qualquer alteração que for feita na casa deve ser comunicada para nova vistoria. Mas muitas mudam e não comunicam, mantendo o estabelecimento aberto.”
A equipe do EM teve acesso a uma das boates interditadas. Dentro da Samsara Music Club, há revestimento de madeira no piso, nas paredes e no teto. Além disso, os bombeiros apontaram problemas na distância entre as bases de ferro dos guarda-corpos e escadas e falhas na iluminação que aponta a saída de emergência, entre outros. Um dos sócios da casa, Renan de Deus, reconheceu que o alvará de funcionamento estava vencido desde 27 de dezembro, e confirmou que estava aguardando vistoria dos Bombeiros, mas criticou a lentidão do processo. “A vistoria às vezes demora 15, 20 ou 30 dias. Esse prazo é complicado para nossos eventos”, afirmou. O capitão Patrick argumenta que os prazos estão previstos na legislação. “Não adianta a pessoa solicitar vistoria de um dia para o outro”, completa. O EM não teve acesso à casa de shows Galpão, também frequentada por estudantes da UFV e interditada quinta-feira, cujo proprietário não quis dar entrevista.
Alerta noturno
Confira os números de algumas das principais cidades universitárias mineiras, onde é grande o público estudantil e a busca por boates
»Viçosa
População: 72 mil habitantes
Universidades: 5
Universidade Federal de Viçosa (UFV)
Univiçosa
Escola Superior de Viçosa (Esuv)
Faculdade de Viçosa (FDV)
Unopar
População estimada da maior instituição: 17 mil na UFV
» Lavras
População: 92 mil habitantes
Universidades: 4
Universidade Federal de Lavras (Ufla)
Faculdade Adventista de Minas Gerais (Fadminas)
Centro Universitário de Lavras (Unilavras)
Faculdade Presbiteriana Gammon (Fagammon)
População estimada da maior instituição: 10 mil na Ufla
» Ouro Preto
População: 70 mil habitantes
Universidades: 2
Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop)
Instituto Federal Minas Gerais (IFMG)
População estimada da maior instituição: 13,6 mil na Ufop
» Alfenas
População: 73 mil habitantes
Universidades: 3
Universidade Federal de Alfenas (Unifal)
Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas)
Escola de Farmácia e Odontologia (Efoa)
População estimada da maior instituição: 5 mil na Unifal
Fontes: IBGE, Ufop, UFV, Ufla e Unifal
Fonte : Estado de Minas
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